AS EXCLUDENTES DO DEVEDER DE INDENIZAR NO TRANSPORTE PÚBLICO
Samia Aiub Gaisller Valli – OAB/SP 327.153
Civilmente, a doutrina entende que são pressupostos do dever de indenizar a ação ou omissão voluntária, o nexo de causalidade, o dano e a culpa.
Contudo, convalidado pelo artigo 37, § 6º da Constituição Federal, as empresas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos, respondem objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.
Tal princípio, pouco tempo depois, foi ratificado pelo artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor sendo, neste caso, aplicável a qualquer relação de consumo.
Cumpre esclarecer que a responsabilidade objetiva, nada mais é, do que a obrigação do fornecedor de serviços de responder, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores ou à terceiros expostos aos seus serviços (art. 927, parágrafo único, do C.C.).
Portanto, em se tratando de transporte coletivo público, não é necessário que o lesado demonstre que a concessionária agiu com culpa para surgir o dever indenizatório, bastando apenas a comprovação do fato, do dano e o nexo de causalidade.
Isto, pois, a obrigação assumida pela empresa transportadora é de resultado, devendo transportar o passageiro incólume ao seu destino.
Por outro lado, por romperem o nexo causal, o artigo 14, § 3º, II do CDC admite como excludentes de responsabilidade a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, este último, desde que alheio aos riscos da própria atividade explorada.
Pelo mesmo motivo, o artigo 734 do Código Civil dispõe que o caso fortuito e a força maior também são excludentes de responsabilidade indenizatória no transporte público.
Passaremos a esclarecer cada uma das hipóteses.
A culpa exclusiva da vítima ocorre quando a responsabilidade pelo fato se dá por conta exclusiva do próprio ofendido. É o caso, por exemplo, do pedestre que atravessa via pública em local totalmente inadequado, sem que o motorista pudesse vê-lo com antecedência para evitar o atropelamento.
Vale mencionar que é regra básica decorrente da boa-fé objetiva nas relações jurídicas o dever de mitigar o próprio prejuízo ou dano.
Ainda na hipótese de culpa exclusiva da vítima, tem-se admitido a eventual culpa concorrente, que ocorre quando o agente e a vítima concomitantemente colaboram para o resultado lesivo, implicando em equacionar proporcionalmente o quantum indenizatório.
É o que ocorre, por exemplo, quando embora o motorista freie bruscamente o coletivo, fazendo com que a vítima seja projetada ao solo, a queda poderia ter sido evitada caso o passageiro estivesse segurando nas barras de segurança do ônibus.
Vê-se, neste caso, que tanto o motorista quanto o passageiro agiram com culpa, o que deverá ser considerado para fixação do quantum indenizatório.
A segunda hipótese de excludente de responsabilidade indenizatória é o fato / ato de terceiro, distinguido pela doutrina em fortuito externo e fortuito interno.
Sobre o tema, dispõe o Enunciado n
º 443 do CJF/STJ, aprovado na V Jornada de Direito Civil: “Arts. 393 e 927. O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes de responsabilidade civil quanto o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida”.
Portanto, somente é excludente de responsabilidade indenizatória o ato / fato de terceiro estranho à atividade explorada, já que a tese é contrária ao disposto no artigo 735 do Código Civil, que prevê que a responsabilidade do transportador não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Pois bem, melhor esclarecendo, é causa de excludente de responsabilidade o passageiro que sofre pedrada lançada por terceiro contra o coletivo.
Neste caso, o fato / ato é totalmente desconexo com a atividade explorada, caracterizando fortuito externo, o que rompe o nexo de causalidade.
De outro modo, não é causa excludente de responsabilidade o passageiro que sofre queda dentro do coletivo, após freada brusca, causada por “fechada” de outro veículo, já que o fato é conexo à atividade desenvolvida, ou seja, o próprio trânsito, o que caracteriza fortuito interno.
Já o caso fortuito e a força maior são fatos imprevisíveis ou de difícil previsão, que geram consequências inevitáveis.
Para o STJ, o assalto à mão armada, dentro de transporte público, caracteriza o caso fortuito e afasta a responsabilidade indenizatória.
A força maior, por outro lado, decorre de acontecimentos provindos da natureza, sem que haja interferência da vontade humana, são exemplos: raio, inundação, vendaval. É o caso de um raio que despenca sobre uma árvore durante um temporal e atinge o coletivo, que desgoverna e acaba colidindo contra outro veículo, causando danos aos passageiros.
Por ser fato decorrente da força da natureza, inexistente o dever indenizatório.
Conclusivamente, a doutrina e a jurisprudência caminham no sentido de que a responsabilidade do transportador se circunscreve à atividade própria do transporte, excluindo-se outras que não sejam inerentes ao próprio serviço ou dele diretamente decorrentes.
Portanto, não obstante a responsabilidade objetiva aplicável às concessionárias de serviço público de transporte, certo é que nem todo dano sofrido no transporte é indenizável, havendo que se verificar se é aplicável ao caso concreto alguma das excludentes de responsabilidade acima citadas.