CONCORRÊNCIA DESLEAL E APROVEITAMENTO PARASITÁRIO NO AMBITO ELETRÔNICO
Beatriz Pinheiro Zillo Rancoletta - OAB/SP 375.579
O avanço tecnológico otimizou o fluxo de informações na internet, permitindo maior praticidade, comodidade e acessibilidade pelo público em geral, o que estimulou o crescimento da oferta e da procura de produtos e serviços no meio digital. Contudo, para muito além da seara consumerista, o novo modelo do mercado de consumo refletiu consideravelmente no Direito Empresarial, impondo que a grande maioria dos empresários e das empresas se adequassem para garantir a competitividade do seu negócio.
Em que pese o inegável benefício advindo com a “Era Digital”, atraindo clientela em maior alcance, talvez antes não atingida com a oferta física e local do produto ou do serviço, deve-se ter cautela ao utilizar o meio digital como publicidade da atividade empresarial, conforme será demonstrado.
Tendo como intento principal a captação da clientela, foram desenvolvidos diversos mecanismos de marketing digital para possibilitar maior visibilidade do produto ou do serviço ofertado, dentre eles, mais usados e conhecidos, os “links patrocinados” que consistem, basicamente, sem se ater ao conceito técnico, em anúncios publicitários pagos que surgem como resposta ao consumidor, dentre os primeiros “links” de uma extensa lista de opções, após pesquisa de palavra(s)-chave(s) nos mecanismos de busca da internet.
Tal prática, em tese, lícita, tem ocasionado inúmeras contendas que batem às portas do Poder Judiciário embasadas na “concorrência desleal” no âmbito eletrônico.
Imperioso destacar que a concorrência no âmbito empresarial não é só permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas como também incentivada em função do modelo capitalista adotado no País, garantindo, assim, o fomento sadio da atividade econômica.
A Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV, elenca a livre concorrência como um Princípio Geral da Atividade Econômica, fundando-se no ideal de um mercado competitivo e equilibrado, visando visa "buscar chances iguais para a disputa leal e igual na exploração de qualquer atividade" (ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de. Abuso do Direito e Concorrência Desleal. 1ªed. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 110).
Tendo por base tal preceito, entende-se por concorrência desleal todos atos praticados no âmbito da atividade empresarial com má-fé, deslealdade, abusividade, ilegalidade e imoralidade, com o escopo de angariar clientela, desviando-a em seu proveito, de modo que que venha ou possa a vir causar prejuízos ao concorrente.
Visando reforçar a relevância do instituto, salienta-se que os atos de concorrência desleal são passíveis de reparação civil, incluindo o ressarcimento de eventuais prejuízos deles decorrentes, nos termos do art. 209 da Lei nº 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial e, além disto, algumas práticas são tipificados como crime, dentre elas o emprego de meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem, sujeitando-se à aplicação de pena de detenção, nos termos do art. 195, caput e inciso III, da mesma Lei.
Pois bem, dentro desse cenário, em realidade, existem duas discussões jurídicas a respeito do tema, a saber:
(1) se Se o adquirente do link patrocinado pratica ato de concorrência desleal por aproveitamento parasitário e, se além dele;
(2) o provedor seria solidariamente responsável pelo dano.
Vejamos cada qual.
Em relação ao primeiro item, é possível defender dois posicionamentos quanto aos concorrentes adquirentes do link patrocinados. Os argumentos a favor da prática de concorrência desleal por aproveitamento parasitário são:
Pelos artigos 123 e 129 da Lei de Propriedade Industrial, resta assegurado ao titular da marca registrada seu uso exclusivo;
Assim, como decorrência dos dispositivos acima, se falaria em prática parasitária, tendo por base as condutas tipificadas no artigo 195, III e V da Lei de Propriedade Industrial, lida em conjunto com o artigo 209 do mesmo diploma.
Já os argumentos contrários à classificação como prática de concorrência desleal são:
Não há qualquer dano à concorrência pela mera indicação da marca concorrente como palavra-chave sem a utilização indevida de signos distintivos ou induzimento do consumidor em erro;
A prática não implica em uso jurídico da marca e sim uso empírico do nome;
A prática, ao contrário, fomenta a concorrência legítima informando o consumidor de outras opções existentes, sendo que o artigo 123, I da LPI não impede que concorrente se apresente como alternativa do mercado;
Segundo o STJ e o Código Brasileiro de Auto-Regulação Publicitária há apenas publicidade comparativa.
Em que pesem tais contrapontos, as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP entendem que a utilização do “link patrocinado” pode configurar concorrência desleal quando o anúncio publicitário estiver atrelado ao nome ou à marca concorrente, surgindo como resposta imediata de pesquisa nos mecanismos de busca, de modo a confundir e desviar a clientela para seu próprio link, vejamos:
"DIREITO MARCÁRIO. Google Ads. Link patrocinado. Uso de marca de concorrente como palavra-chave. Prática ilegal. Violação de direitos sobre a marca e concorrência desleal. Jurisprudência uníssona das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP desde abril/2016. Conjunto probatório dos autos, porém, insuficiente para fundamentar a condenação pretendida. Ausência de prova do uso da marca da autora pela ré. Sentença mantida. Recurso não provido." (TJSP; Apelação Cível 1002037-18.2016.8.26.0003; Relator (a): Gilson Delgado Miranda; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Regional III - Jabaquara - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2019; Data de Registro: 12/07/2019)
Ponto importante a ser destacado é que, ainda que inexistente a concorrência direta entre os produtos e serviços oferecidos pelas marcas envolvidas na pesquisa e no link patrocinado, as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP entendem estaria configurada a concorrência desleal por “aproveitamento parasitário”.
O aproveitamento parasitário prescinde do elemento “concorrência” propriamente dito pois não há disputa direta de clientela, mas trata-se de prática em que a empresa parasita se aproveita da fama, renome, prestígio e poder atrativo de outra marca para apresentar seu produto no mercado de consumo, revestindo-se, assim, de ilicitude que viola o princípio da livre concorrência e demais normas protetivas à propriedade industrial, razão pela qual também é considerado como desleal e, assim, deve ser ponderado.
Em ambos os casos, todavia, as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de São Paulo entendem que estariam configurados danos morais presumidos (in re ipsa) em benefício da parte prejudicada, de modo que é desnecessária qualquer prova de efetivo prejuízo moral para fazer jus à indenização, pois esse decorre do próprio ato desleal, salientando-se que a pessoa jurídica pode ser indenizada por dano moral, nos termos da Súmula 227 do STJ. Vejamos:
"Propriedade industrial. Vinculação do sítio eletrônico da apelante à marca da apelada. Link patrocinado. Tutela devida para vedar o direcionamento do usuário. Proteção à marca e vedação à concorrência desleal. Danos morais. Ocorrência. Sentença mantida. Recurso desprovido." (TJSP; Apelação Cível 1007078-04.2016.8.26.0152; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Cotia - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/12/2017; Data de Registro: 20/12/2017)
E em relação aos provedores, há responsabilidade pela conduta dos mesmos quando permitida a associação ao nome de empresa concorrente pelo link patrocinado?
Também é possível defender dois posicionamentos.
São argumentos a favor da responsabilização dos provedores:
Oferecimento dos serviços de links patrocinados mediante remuneração, NÃO se enquadra no que dispõe o artigo 19 da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet);
O provedor, nos links patrocinados, não atua como plataforma de informação, mas parceiro comercial dos anunciantes, auferindo lucro (por cliques);
O provedor não é figura estranha a relação ilícita, já que é parte da cadeia dos fatos, sem o qual não haveria o ilícito.
São argumentos contra a responsabilização dos provedores:
Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inexiste dever de monitoramento por parte dos provedores;
O dever de zelar pela integridade da marca e fiscalizar a conduta de terceiros é do titular da marca conforme artigos 130, III, 190 e 195 da LPI e Art. 927 do Código Civil (Resp nº 1.157.228/RS);
A responsabilidade se enquadra no que dispõe o artigo 19 da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet;
Plataformas publicitárias não podem ser obrigadas a analisar proativamente eventual violação promovida por anúncios de terceiros;
Impor conhecimento as plataformas de todas as marcas dos competidores de seus anunciantes não faz qualquer sentido;
A ofensa às marcas é de análise subjetiva o que dificulta juízo prévio de ofensa;
Os termos e condições dos provedores excluem sua responsabilização.
O Entendimento das Câmaras Reservadas do Tribunal de Justiça de São Paulo é pela RESPONSABILIZAÇÃO solidária dos provedores, vide o seguinte julgado:
“Ação ordinária de obrigação de não fazer e indenizatória – Extinção do processo – Irrazoabilidade – Autora licenciada para o uso da marca "Boston Medical Group" – Legitimidade ativa reconhecida – Julgamento de mérito (CPC, art. 1.013, § 3º, I) – Associação indevida, pela corré Keilla do elemento nominativo "Boston Medical Group" ao seu nome de domínio www.drakeillafreitas.com.br, através do serviço de "links" patrocinados do apelado Google – Comprovação – Possibilidade de confusão e desvio de clientela – Concorrência desleal – Responsabilização do sítio eletrônico de buscas ("Google") pela permissão de veiculação do anúncio – Cabimento – Obtenção de lucro que o coloca na cadeia da prática do ilícito – Danos morais, "in re ipsa", devidos – Sentença reformada – Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1085064-25.2018.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 10/09/2019; Data de Registro: 16/09/2019)
A questão, todavia, NÃO fora apreciada ainda pelo Superior Tribunal de Justiça que dará a última palavra a respeito, não existindo previsão para tanto.
Conclui-se, portanto, que as ferramentas de marketing digital, tais como os links patrocinados, podem ser extremamente vantajosas e atrativas para publicidade da atividade empresarial, sobretudo na captação e alcance de nova clientela, desde que alinhadas com a boa prática e com a boa-fé, visando preservar a livre-concorrência e dentro dos parâmetros fixados pela Jurisprudência dos Tribunais.