REUNIÕES E ASSEMBLEIAS DE SÓCIOS DIGITAIS
Busanelli Advogados
A pandemia da COVID-19 trouxe consigo uma série de problemas e dificuldades. Contudo, certo também é que a mesma acabou servindo de um incentivo a mais para melhoras em determinados seguimentos.
Assim foi com a prática de atos digitais em geral.
Além dos processos judiciais e administrativos que foram incrementados, com possibilidades de julgamentos por vídeo conferencia, atos extrajudiciais também foram radicalmente modificados, com a adoção das várias práticas de reuniões virtuais e afins.
A atividade societária fora igualmente impactada e após a edição da Medida Provisória nº 931 de 30 de março de 2020 (posteriormente convertida na Lei 14.030 de 28 de Julho de 2020), a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (“DREI”) editaram, respectivamente, a Instrução nº 622, em 17 de abril de 2020 (“ICVM 622”), e a Instrução Normativa nº 79, em 14 de abril de 2020 (“IN DREI 79”), cujos objetivos foram regulamentar a participação e votação à distância em assembleias gerais de acionistas de companhias abertas e fechadas, e reuniões e assembleias de sócios de sociedades limitadas e cooperativas.
Tais Instruções, ainda, passaram a admitir a realização de reuniões e assembleias exclusivamente digitais.
Ponto inaugural e fundamental é esclarecer que as assembleias e reuniões de sócios e acionistas de companhias abertas e fechadas, sociedades limitadas e cooperativas podem ser realizadas de três formas distintas:
(i) Presencial: caso os acionistas ou sócios possam participar somente de forma presencial.
(ii) Parcialmente Digital ou Semipresencial (“Híbrida”): caso os acionistas ou sócios possam participar tanto presencialmente quanto por meio de sistemas eletrônicos.
(iii) Exclusivamente Digital (“Digital”): caso os acionistas ou sócios possam participar exclusivamente por meio de sistemas eletrônicos.
Diante de sua aplicação bem específica e restrita não vamos nos ater aqui a análise mais pormenorizada da regulamentação nas companhias abertas, cabendo observar apenas que a ICVM 622, que alterou disposições ICVM 481, foi bastante inovadora ao permitir que as assembleias gerais sejam realizadas de forma parcialmente digital ou de forma exclusivamente digital e, ainda, permitindo-se a própria manifestação dos acionistas de forma virtual.
Pois bem, nas companhias fechadas, limitadas e cooperativas, cabe frisar que em grande inovação a IN DREI 79 permite o uso do boletim de voto à distância, contudo somente aplicável nas assembleias e reuniões Digitais e Híbridas.
No que se refere ao boletim de voto a distância, a normativa estabelece que:
O boletim de voto à distância deverá ser enviado aos sócios na data da publicação da primeira convocação para a solenidade e deverá ser devolvido à sociedade com no mínimo 5 (cinco) dias de antecedência da data da realização da respectiva reunião ou assembleia;
todas as matérias constantes da ordem do dia da reunião ou assembleia Digital ou Híbrida a que se refere;
orientações sobre o seu envio à sociedade;
indicação dos documentos que devem acompanhá-lo para verificação da identidade do sócio (ou seu representante); e
orientações sobre as formalidades necessárias para que o voto seja considerado válido.
Assim como ocorre nas companhias abertas, o envio de boletim de voto à distância não impede o sócio de comparecer à reunião ou assembleia Digital ou Híbrida e exercer seu direito de participação e votação durante a solenidade, hipótese na qual o boletim enviado será desconsiderado.
Importante destacar que a IN 79 DREI estabelece que as reuniões e assembleias Digitais e Híbridas deverão respeitar as regras aplicáveis ao respectivo tipo societário, bem como as normas do contrato ou estatuto social da sociedade com relação à convocação, instalação e deliberação.
Logo, caso o contrato ou estatuto social preveja somente a hipótese de realização de assembleia geral de forma presencial, a realização de assembleias e reuniões de companhias fechadas, sociedades limitadas e cooperativas de forma Digital ou Híbrida poderia ser questionada pelos sócios pelo fato de serem realizadas de forma contrária ao que dispõe os atos constitutivos da sociedade, de modo que é prudente mitigar o risco de discussão sobre a validade da solenidade, mediante a alteração do contrato ou estatuto social para prever expressamente a possibilidade de as reuniões/assembleias de sócios serem realizadas nas formas autorizadas pelas normas pertinentes (IN DREI 79).
Abaixo segue um resumo dos principais pontos da IN DREI 79:
Forma de Realização das Assembleias/Reuniões Reguladas pela IN: Digital e semipresencial
Edital de Convocação: O edital de convocação poderá apresentar regras e procedimentos sobre a participação e voto à distância de forma resumida, bem como indicar o site no qual a informação completa estará disponível
Apresentação prévia de documentos dos Acionistas/Sócios: O acionista/sócio pode participar desde que apresente os documentos 30 minutos antes do horário da assembleia ou reunião
Sistemas / Tecnologia: As sociedades têm liberdade para escolher os sistemas eletrônicos a serem utilizados nas assembleias e reuniões, desde que atendam à regulamentação específica para o tipo societário
Local de Realização da Assembleia/Reunião Digital e Híbrida: serão consideradas como realizadas na sede da sociedade
Participação de Terceiros na Assembleia/Reunião: Administradores, terceiros autorizados e pessoas cuja presença seja obrigatória poderão participar à distância
Gravação Integral da Assembleia/Reunião: Deve ser realizada e a gravação deve ser mantida pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la
Possibilidade de Manifestação e de Acesso aos Documentos Apresentados na Assembleia/Reunião: Há previsão expressa (Art.6º)
Possibilidade de Comunicação entre Acionistas durante a Assembleia/Reunião: Não há menção na norma.
Assinatura da Ata: Assinatura pela mesa por certificado digital emitido por entidade credenciada pela ICP-Brasil ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade em forma eletrônica, devendo a mesa certificar os acionistas e sócios presentes
Assim, tem-se que a regulamentação realizada é bem vinda já que viabiliza a realização das solenidades a distância e possivelmente aumente a participação efetiva dos acionistas e sócios nas deliberações sociais.
É provável e possível que dificuldades tecnológicas ocorram pelos sistemas a serem adotados pelas sociedades, mas cremos serem questões passageiras e que logo se acomodarão, de modo que a inovação caminha na mesma evolução da matéria no âmbito internacional, em que já de algum tempo se admite a realização de solenidades de forma virtual.